sábado, 29 de março de 2014

Semelhanças perigosas: que acontece para quem não liga para a bula?  



Em 2005, o Serviço de Saúde Pública dos Estados Unidos foi informado de um equívoco no tratamento de pacientes que eram atendidos em uma clínica gratuita para gays e lésbicas de Nova Iorque. Durante o período de 1999 a 2004, pacientes com diagnóstico de sífilis tinham recebido uma medicamento composto de dois tipos de penicilina: do tipo benzatina e do tipo procaína em partes iguais. Na verdade, o que se recomenda, para esta doença é o dobro da dose da penicilina benzatina que havia no produto dispensado, sem a presença da penicilina procaína. Os dois produtos se pareciam muito. O nome comercial do produto indicado é Bicillin A-P . Um fato chocante é que a bula do produto administrado (Bicillin C-R) dizia que ele não era indicado para tratar sífilis mas sim para pneumonias e infecções de garganta. Demorou cinco anos para alguém ler a bula e dar o alarme. A falta de percepção do erro foi facilitada porque a soma das duas formas de penicilina tinha ação razoável sobre a doença, curando muitas pessoas. No entanto, alguns casos evoluíram para consequências neurológicas gravíssimas. Esta evolução é lenta, não causou alarme na equipe da saúde pois as complicações também podem ocorrer, em menor número, quando se instala o tratamento ideal, com a penicilina benzatina na dose correta. Após este episódio muito doloroso, envolvendo quase 500 pessoas atendidas, os produtores, em colaboração com as autoridades da saúde, fizeram mudanças na apresentação dos produtos no sentido de facilitar a diferenciação. Os conhecimentos adquiridos sobre os medicamentos depois que eles entram no mercado fazem parte da chamada “farmacovigilância”. Certas reações indesejáveis sérias, porém mais raras, só são detectadas após a aprovação da venda e consumo pela população. Por exemplo, uma primeira vacina contra o rotavírus em raras crianças causava a intussuscepção intestinal, que é uma espécie de inchaço e entupimento dos intestinos, e foi retirada do mercado nos Estados Unidos. 

sábado, 1 de março de 2014

Criança quase em coma: grande susto

Criança em coma nem sempre é caso grave

Anos atrás, eu trabalhava muito em Pronto Socorro Infantil. Quase no final de um plantão, chegou uma criança de 5 anos, praticamente em coma. A família tinha deixado a criança por algumas horas com a empregada, mas esta estava muito ocupada nos quartos da residência. Ao retornarem à casa encontraram a criança “dormindo” muito, na sala. Era uma criança normal até este episódio. Quando procurei cheirar o hálito do pequeno, a mãe me disse que tinha esfregado álcool no rosto numa tentativa de acordar o menino.

Um dos familiares usava medicamento sedativo diariamente, mas garantiram que a caixa não fora tocada. Logo pedi exames e prescrevi soro glicosado endovenoso. O colega que assumiu o plantão teve o prazer de ver a criança melhorar rapidamente. Após confabulações entre os familiares, eles informaram que encontraram um frasco de licor “escondido” atrás de um brinquedo grande, com nível diminuído. Uma das pessoas da família ingeria diariamente algumas doses desta bebida. Na verdade, o caso era um quase coma alcoólico e o menino se recuperou totalmente. É provável que a família já sabia da ingestão da bebida mas, de inicio, procurou esconder, talvez pensando em não expor o parente etilista. Em algumas condições, o médico precisa ter “desconfiômetro” aguçado e buscar dados que a família prefere esconder, por exemplo, nas casos de violência contra a criança mas este será outro post.